sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Lira LXXXI Gonzaga

Nesta triste masmorra,
de um semivivo corpo sepultura,
inda, Marília, adoro
a tua formosura.
Amor na minha idéia te retrata;
busca, extremoso, que eu assim resista
a dor imensa, que me cerca e mata.

Quando em meu mal pondero,
então mais vivamente diviso:
vejo o teu rosto e escuto
a tua voz e riso.
Movo ligeiro para vulto os passos:
eu beijo a tíbia luz em vez de face,
e aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;
a violência da mágoa não suporto;
foge-me a vista e caio,
não sei se vivo ou morto.
Enternece-se amor de estrago tanto;
reclina-me no peito, e com a mão terna
me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento
por largo espaço a imagem de um defunto,
movo os membros, suspiro,
e onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me tem consigo;
ergo a cabeça, que inda mal sustento,
e com doente voz lhe digo:

- Se queres ser piedoso,
procura o sítio em que Marília mora,
Pinta-lhe meu estrago,
e vê, Amor, se chora.
Se a lágrima verter a dor a arrasta,
uma delas me trazer sobre as penas,
e para alívio meu só isto basta.